José Horta Manzano
Uma das engraçadas leis de Murphy diz que, se o pior puder acontecer, acontecerá. A mídia europeia, naturalmente, deu boa cobertura à presença papal no Rio e a ela dedicou espaço importante.
No entanto, é compreensível que, num mundo encharcado de imagens ao vivo e em alta resolução, a figura de um papa beijando criancinhas já não entusiasme como antes.
Para apimentar reportagens modorrentas, não foi preciso procurar muito longe. A alguns passos da rota do visitante, jovens ― aparentemente sem grande coisa a fazer e, mais que isso, vítimas de estrelismo agudo ― decidiram se manifestar.
Houve reclamações contra o governador do estado, contra o preço das passagens de ônibus. Houve até os que fizeram questão de hostilizar o visitante, prova de que democracia não rima necessariamente com civilidade. Em resumo, as manifestações pareciam um mercado persa, uma loja de 1,99 onde se encontra de tudo.
O jornal francês Le Monde, assim como o resto da mídia estrangeira, não se fez rogar para registrar os acontecimentos e difundi-los por aqui. Vai-se firmando a ideia de que, longe da imagem suave e idílica que se tinha, o Brasil é um país habitado por gente violenta, baderneira, mal-educada e imprevisível. Dá muita pena.
E pensar que os que tiveram nas mãos o poder absoluto estes últimos 12 anos não se empenharam em elevar o padrão civilizatório do povo. Não era tão difícil. Até nos tempos da ditadura havia uma oposição mais incisiva que a atual. Bastava que os eleitos tivessem dedicado metade de seu tempo a cumprir com honestidade o mandato que lhes tinha sido confiado. Para desgraça de todos, a maioria preferiu dedicar a totalidade de seu tempo a seus interesses pessoais. O resultado está aí. A História há de guardar estes anos irresponsáveis, de esbórnia e de incúria, entre os mais sombrios.
O bom lado disso tudo é que, por uma dessas coincidências alinhavadas pelo destino, o herdeiro da coroa britânica tenha visto a luz no mesmo dia da chegada do papa ao Rio. O choro do neonato foi providencial.
No Brasil, compreensivelmente, o evento passou praticamente despercebido. Já na Europa, o royal baby eletrizou tanto os que ainda têm um rei, quanto os que gostariam de voltar a tê-lo. Ou seja, uma importante fatia de cidadãos. Isso ajudou a sombrear a imagem das desordens do Rio e abafar-lhes o eco . Melhor assim.
Jânio Quadros foi presidente do Brasil ao tempo dos Sumérios. Era personagem carregado de defeitos. Acusavam-no de beberrão, esquizofrênico, populista, imprevisível, paranoico. Pode até ser, mas há controvérsias.
No entanto, num ponto, todos concordavam: o homem conhecia profundamente a língua portuguesa. E mais: apesar dos defeitos e do raríssimo sorriso, sabia tratar os outros com civilidade e, em troca, exigia ser tratado com respeito.
Uma vez, quando de uma entrevista coletiva, um repórter dirigiu-se ao presidente chamando-o de você. A reação veio fulminante. O presidente chamou a atenção do interlocutor. Disse-lhe que não o estava tratando com tamanha intimidade e ficaria reconhecido se o repórter lhe concedesse tratamento recíproco.
Eram outros tempos. Os homens tinham seus defeitos, mas ainda mantinham um verniz de polidez. Hoje, um solvente parece haver decapado a superfície. Foi-se o polimento, e sobraram só os defeitos.
Reparem, aqui logo acima, no cartaz do manifestante. Trata o ilustre visitante por você e isso não parece incomodar mais ninguém. Jânio talvez desaprovasse.
Mais uma vez você prova o valor do seu blog: o Brasil visto de longe não é decididamente igual ao Brasil visto de perto. Só para colocar mais lenha na fogueira, saiba que os destaques na imprensa brasileira foram:
1. a leveza de espírito com que o papa Francisco encarou o congestionamento e a multidão que o cercou
2. o fato de que ele se utilizou de um carro “simples” (Fiat Idea), sem blindagem, e o de que mantêve a janela aberta durante todo o percurso
3. os custos da recepção ao papa (850 mil reais para atender a 650 pessoas) e o fato de que foi contratado o serviço de buffet mais caro do Rio de Janeiro.
Se tudo isso já não provasse por si só a insensibilidade e grotesca ignorância de nossos dirigentes, o discurso da “presidenta” (assunto do seu artigo de 24/7) foi o fecho de ouro, a cereja colocada em cima do bolo da estupidez tupiniquim. Acho que a Dilma não conhece aquele antigo ditado de que “elogio em boca própria é vitupério”.
Resumo da ópera: o papa não precisou emitir uma única palavra para dar um tapa com luva de pelica na cara das nossas “elites” – ainda que tenha iniciado seu discurso dizendo que não trazia nem ouro nem prata.
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Obrigado pelo comentário, Myrthes. Recomendo-lhe o artigo da Dora Kramer deste 24 de julho. Vai pelo mesmo caminho. Está no Estadão, na página seguinte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,incenso-e-mirra-,1056727,0.htm
Abraço
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